05:45 am - Andressa está dormindo na minha cama comigo e com o marido, está doente de novo. Geme um pouquinho e resolvo ver a temperatura. 38,3º. Dou medicação e fico observando.
06:00 am - Marido acorda, faz um carinho na bebê, conversamos um pouquinho e ele vai se arrumar.
06:30 am - Marido chama a Natália e a ajuda a se vestir no quarto dela. Os dois vem me chamar.
Decido ir para o escritório mais tarde porque queria esperar a Andressa estar melhor. Marido me diz para ficar em casa e eu digo que não posso. Tenho prazos para fazer.
07:10 am - Os dois vem se despedir de mim. Escuto dois "eu te amo" que sempre fazem meu dia mais feliz. Fico pensando na organização do dia, na manifestação sobre uma perícia que preciso fazer. Nos horários das audiências do marido.
...
Escuto a porta do corredor abrindo e percebo que não é o jeito da empregada abrir a porta. Ela sempre abre bem devagar para não acordar a Andressa.
Penso que marido esqueceu alguma coisa.
A porta do meu quarto é aberta e eu vejo a pior cena que já vi na vida, junto com as palavras que não me saem da cabeça.
"- Déia, estamos sendo assaltados."
Eu só vi a arma. Aquela arma apontada para as pessoas que mais amo na vida. Nossas vidas ali, nas mãos daquele vagabundo. Mãos que tremiam e nos ameaçavam. A arma estava na cabeça do Ario.
Vi no rosto do meu marido a tristeza por ter sido obrigado a fazer aquilo. Ele me pedia perdão com os olhos.
Medo.
Pulei da cama e pensei: Fica calma Andrea. Fica muito calma. Te controla.
Peguei a Nati e trouxe para perto de mim. Perguntei ao desgraçado se podia deixar as meninas no meu quarto. Ele prontamente concorda e diz: sim moça, coloca as crianças aí, não quero que elas vejam armas.
Idiota, elas estavam vendo a arma apontada para a cabeça do pai delas!
Vivemos nosso pior pesadelo. São minutos que pareceram horas. Eu tive tanto medo, tanto medo de ele atirar no Ario. A arma tremia na mão dele. Tive medo do Ario reagir, eu via o ódio nos olhos dele. Pensava rápido demais. Precisava saber o que dizer, como agir. Em um segundo nossas vidas poderiam estar destruídas para sempre. Eu queria que ele fosse embora. Pensava no que eu precisava fazer para que ele fosse embora.
Parecia que eu estava em um pesadelo e que, por mais que tentasse não conseguia acordar.
Mantivemos a calma. Eu e o Ario negociamos com ele o tempo todo. A empregada, que estava sendo aguardada pelo outro bandido, na esquina de casa, se descontrolou e levou uns empurrões. Eles chegaram depois. A Natinha não parava no quarto, queria negociar com o bandido também, ficava oferecendo as coisas junto comigo. Ouviu um "fica quieta guria". Sangue do marido ferveu. Percebia a raiva dele no olhar. Errei ao não trancá-la no quarto. Eu queria ela longe deles, eu queria minhas filhas longe dali. Mas a Natália não ficava no quieta no quarto, gritei com ela, sacudi ela pelos ombros mandando ela me obedecer. Coitadinha da minha filha. Depois entendi que ela me ouvia dizer que não tinha dinheiro. O desgraçado me mandava ir buscar o dinheiro o tempo todo. Na inocência infantil dela, ela dizia: eu tenho, eu tenho... (ela se referia a mesada que ela vem guardando para comprar um jogo)
Medo do marido perder o controle. Medo do marido reagir.
Pensa. Pensa Andrea.
Nunca pensei tão rápido. Nunca medi tanto as palavras. Nunca tive tanto medo. Medo de perder quem eu amo. Medo de ter meu marido assassinado na frente das nossas filhas. Medo de ver minhas filhas machucadas. Medo de ver a Lucia levar um tiro dentro da minha casa, pensei na filha dela sozinha e sem mãe.
Não sei de onde me vieram todas palavras. Me ofereci para ajudar a carregar as coisas. Fui oferecendo tudo que nós tinhamos para eles.
Eles queriam dinheiro. Não temos dinheiro. Eles queriam as nossas coisas, aquelas que levamos uma vida toda para poder comprar, mas eles também queriam dinheiro. Dinheiro. Dinheiro. Dinheiro.
Fui colocando todas as coisas que achava em cima da mesa da sala. Eu dizia para ele levar tudo, que ele podia levar tudo e ir embora. Só queria ele feliz e satisfeito longe de nós. Muito longe das pessoas que eu amo.
Não, não era o dinheiro da carteira que ele queria. A carteira que estava em cima da mesa, eles nem abriram, não era aquele trocado da padaria. Eles queriam o dinheiro "guardado". Eles queriam o dinheiro que não temos.
Moço nós não temos dinheiro, mas temos isso, e aquilo e mais aquilo outro. Nós não somos ricos moço, o que temos está aqui. Pode levar o que tu quiser, mas por favor não machuca ninguém.
Vai trazendo dona. Vai colocando tudo aí.
Depois da mesa da sala cheia de todas as nossas coisas, ele se sentiu satisfeito e sorriu. O comparsa dele tinha percebido que algo estava errado e fugiu. (a vizinha da frente percebeu o assalto e ligou para polícia). Mais desespero. O maldito não acreditava que o parceiro tinha feito isso. Ele tremia inteiro. Ofereço o outro carro, que nem é nosso. Ele quer que o marido vá junto. Peço, imploro. Me desespero. Meu corpo todo treme de medo. Sentia meus dentes batendo de tanto tremer.
E de repente vejo que o parceiro dele voltou para buscá-lo. Vejo nosso carro estacionado lá fora. Grito que o amigo dele voltou e em dez segundos ele tinha ido. Ele se foi. Trouxe com ele muito medo e esqueceu de levar embora junto. Deixou conosco a insegurança, o medo, a humilhação, a impotência, a revolta, a descrença e a certeza de que nunca mais as coisas serão como antes. Nunca mais seremos os mesmos.
Com que direito eles levam embora a inocência da minha filha? Ela acreditava em um mundo maravilhoso, em pessoas boas. O medo dela era de fantasmas, vampiros e de cobra. Agora ela tem medo de gente.
Acho que nunca mais vou conseguir dormir...